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Bandeira vermelha : como o sistema elétrico brasileiro penaliza o consumidor e trava as renováveis

O que ocorre é o seguinte: quando há muita geração de energia solar e eólica (por exemplo, em dias ensolarados e com ventos fortes), e a demanda de consumo é baixa (como fins de semana ou feriados), o sistema elétrico fica com energia demais e pouca saída.

Como o sistema precisa estar sempre equilibrado (geração = consumo), o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) desliga temporariamente parte das usinas renováveis — o que chamam de “despacho fora da ordem de mérito” ou “curtailment”.

Isso é meio contraditório, né? Energia limpa sobrando, mas não sendo usada. 
O motivo principal é que a infraestrutura de transmissão e armazenamento ainda é limitada. Ou seja, o país consegue gerar, mas não consegue transportar ou guardar toda essa energia.



1) O problema em uma frase

O Brasil hoje produz muito sol e vento, mas por limitações de rede e por como os contratos foram feitos, parte dessa energia limpa é cortada (curtailment) e o sistema continua pagando e mantendo térmicas caras, cujos custos são repassados ao consumidor via bandeiras tarifárias, tornando a conta de luz mais cara — mesmo quando sobra energia limpa. 
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2) Por que as térmicas recebem dinheiro mesmo sem gerar?

Existem contratos e mecanismos de mercado que remuneram disponibilidade e garantia de atendimento — ou seja, pagamento por estar pronto para gerar, não apenas por gerar. No Brasil há diferentes instrumentos (leilões de reserva, contratos de energia de reserva, mecanismos que permitem incorporação de custos fixos no CVU de térmicas “merchant”), todos com impacto direto no bolso do consumidor. 

Resultado prático: donos de térmicas recebem receitas fixas (ou mecanismos de recuperação de custos) mesmo quando a usina fica parada ou gera pouco — e, quando acionadas, cobram combustível e adicionais caros. 
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3) O papel das bandeiras tarifárias

As bandeiras existem para sinalizar custo adicional quando o sistema usa fontes mais caras (normalmente térmicas). Quando as térmicas entram no despacho, a bandeira fica mais cara (vermelha) e a conta sobe para todo mundo. Isso faz com que o custo do modelo de “manter térmicas prontas” seja socializado: quem paga é a população. A lógica técnica existe, mas o modo como os encargos e contratos são estruturados transforma um mecanismo técnico em instrumento de repasse de custo. 
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4) Curtailment: sobra de renovável que vira prejuízo

Quando há excesso de geração solar/eólica em uma área — e não há capacidade de transmissão nem armazenamento — o Operador (ONS) precisa reduzir a injeção dessas fontes para manter estabilidade elétrica. Isso é chamado de curtailment. O que o consumidor não vê: parte da geração renovável é simplesmente limitada, reduzindo receita das renováveis e aumentando o desperdício. Estudo e documentos oficiais recentes mostram crescimento do fenômeno no Brasil e perdas bilionárias associadas. 

Exemplo: cortes recentes em parques solares que reduziram produção e valor presumível da energia gerada. Isso prejudica o fluxo de caixa dos projetos renováveis e torna o investimento menos atraente. 
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5) Dinheiro parado: números que doem no bolso do consumidor

Estudos e levantamentos apontam valores relevantes:

Um estudo do IDEC estimou que consumidores podem estar pagando cerca de R$ 8,7 bilhões por ano por usinas térmicas que não entregaram a energia contratada em determinado período — ou seja, pagou-se por capacidade que não foi efetivamente útil. 

Leis, portarias e medidas recentes (MME) autorizaram mecanismos que permitiram ou estenderam pagamentos a térmicas sem contrato (ou “merchant”) por períodos adicionais, o que amplia a conta socializada. 


Esses pagamentos não são detalhes técnicos: são valores reais que compõem tarifas, encargos e bandeiras que você vê na fatura. 
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6) Como isso destrói (ou freia) as renováveis

Risco de receita: quando a ONS limita (corta) geração renovável por razões operacionais, o gerador perde faturamento. Isso eleva o custo do capital (investidores pedem mais retorno) e reduz novos investimentos. 

Concorrência desigual: térmicas com contratos de disponibilidade ganham uma “renda mínima” garantida; parques solares/eólicos recebem só pelo que geram — e se forem cortados, perdem. Isso cria vantagem estrutural às térmicas. 

Curto prazo vs. longo prazo: decisões para “garantir oferta já” (contratar térmicas) protegem disponibilidade imediata, mas travam a modernização (storage, reforço de rede) que reduziria custos no médio/longo prazo. 
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7) E quem lucra com isso?

Documentos, notas técnicas e críticas públicas apontam que:

Donos de térmicas (grandes grupos do setor energético) recebem receitas garantidas. 

Fornecedores de combustível (gás, óleo, carvão) se beneficiam quando térmicas são acionadas. 

Interesses políticos e regulatórios são citados por órgãos e movimentos de consumidores como parte do problema — há forte lobby e decisões que facilitam manutenção de térmicas e extensão de mecanismos de remuneração. [Inferência] dizer que há conluio deliberado para “roubar” exige prova de intenção criminosa; o que os documentos mostram é um sistema regulatório que protege receitas e interesses econômicos, e decisões políticas que favorecem contratos térmicos. 


(Observação: sempre que falamos de “quem lucra”, podemos apontar fluxos financeiros e beneficiários — isso tem evidência. Atribuir intenção criminosa é uma afirmação forte e deve ser tratada como [Inferência] ou [Não verificado], a menos que haja investigação criminal pública que prove isso.)
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8) Por que não se põe baterias (BESS) em larga escala e resolve?

Tecnicamente, baterias (BESS) + gestão de rede e reformas em leilões e tarifas resolvem o paradoxo: armazenam excesso diurno e despacham durante a noite, reduzindo necessidade de térmicas. Contudo:

Custo inicial e estrutura contratual: a implantação exige investimento grande e mudança regulatória para remunerar armazenamento adequadamente. Muitas regras ainda não estimulam leilões ou contratos de longo prazo para BESS. 

Inércia regulatória e interesses consolidados: medidas provisórias/portarias recentes estenderam mecanismos que favorecem térmicas (“merchant” com recuperação de custos), reduzindo sinal de preço que poderia impulsionar BESS. 
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9) Exemplos internacionais que mostram o caminho

Países e regiões que enfrentaram problema similar adotaram baterias, hidrelétricas reversíveis e redes inteligentes:

Australia — projeto Hornsdale (Tesla Megapack) reduziu necessidade de térmicas de pico e trouxe benefícios operacionais.

Alemanha, Espanha, Portugal e Califórnia aplicaram combinações de interconexão, armazenamento e mercados que remuneram serviços de flexibilidade.
Esses exemplos deixam claro que a solução técnica existe; a barreira é política, regulatória e econômica, não tecnológica. 
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10) Conclusão — resumo em pontos

Há provas documentadas de que consumidores pagam valores bilionários associados a térmicas e mecanismos de disponibilidade. 

O fenômeno de curtailment já é relevante e gera perdas econômicas para renováveis. 

Medidas regulatórias recentes (portarias/MPs) facilitaram remuneração de térmicas sem contrato, estendendo custos ao consumidor. 

[Inferência] Há motivos para crer que interesses econômicos e lobby influenciam decisões que mantêm o modelo caro e pouco favorável às renováveis — mas imputar crime ou “roubo” exige prova jurídica específica. 

11) O que pode (e deve) ser feito — propostas práticas

1. Leilões e remuneração para armazenamento (BESS): criar contratos e mercados que paguem por capacidade de armazenamento e flexibilização. 


2. Modernizar regras de curtailment e alocação de cortes: tornar transparente quem perde/recebe quando há cortes e evitar alocação que penalize renováveis. 


3. Revisão de contratos de disponibilidade com critérios de performance: cortar pagamento a térmicas que se mostram sistematicamente indisponíveis; isso já foi apontado por estudos de consumidores. 


4. Incentivo a rede de transmissão: ampliar capacidade para escoar energia entre regiões e reduzir curtailment. 


5. Transparência e controle público: fiscalizar preços contratados em leilões de reserva e evitar renovações automáticas sem análise custo/benefício. 

12) Fontes (selecionadas — leitura recomendada)

IDEC — Relatório sobre usinas térmicas e impacto financeiro. 

ONS — critérios e relatórios sobre gestão de excedentes e curtailment. 

MME / Portaria — prorrogações e regras para térmicas merchant. 

ANEEL — consultas e critérios operativos para cortes/curtailment. 

Reportagens e análises sobre curtailment e perdas bilionárias (Jota, Megawhat). 

Notas de grupos de consumidores sobre contratos e preços de contratação. 

Vou te mostrar como vários países já conseguiram resolver esse mesmo problema de sobra e falta de energia limpa sem depender de térmicas caras.
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🇦🇺 Austrália — exemplo clássico

Lá eles tinham o mesmo dilema: muito sol e vento durante o dia, e apagões à noite.
A solução foi instalar megasistemas de baterias (BESS).

A Tesla Megapack, em Hornsdale, armazena energia solar e eólica durante o dia e libera à noite.

Resultado: reduziu em 70% o uso de usinas térmicas e cortou milhões de dólares em custos.

O retorno do investimento veio em menos de 3 anos.
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🇩🇪 Alemanha

O país gera muita energia solar e eólica, e usa redes inteligentes que equilibram automaticamente o fluxo.

Quando há excesso, eles exportam energia pra outros países — e ganham com isso.

Também investiram pesado em baterias domésticas (instaladas junto com painéis solares nas casas).
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🇪🇸 Espanha e Portugal

Usam o modelo de “armazenamento hidráulico reversível”: bombeiam água pra reservatórios altos quando há sobra de energia, e depois soltam pra gerar eletricidade à noite.

Assim, não precisam ligar térmicas.
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🇺🇸 Califórnia

Sofria apagões por excesso de energia solar diurna (!).

Em 2023, implementaram um sistema de baterias gigantes com 10 GWh de capacidade, que já seguram o sistema inteiro por horas sem precisar de gás natural.

 Resumo prático: Outros países já resolveram o que o Brasil ainda diz ser “impossível”.
O Brasil tem sol, vento e potencial hidráulico muito maiores, mas não implementa o armazenamento porque isso quebraria a dependência das térmicas e do lobby do gás e do carvão

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